sábado, 25 de julho de 2015

ESCREVER É NEGAR MANUAIS



Rompemos o primeiro selo do apocalipse. A arte tende, cada vez mais, a tornar-se um produto enlatado. Como toda produção industrial pós-fordista (frase de efeito!), é questão de facilitar o caminho. A literatura aparece pré-cozida, instantânea, padronizada, embalada. Quanto mais fácil a digestão, melhor!

Cursos de escrita criativa, blogs manualísticos (certo, é um neologismo), livros universais da técnica literária: tudo programado para deixar a leitura fácil e comercial. "Aqui é assim!", "Ali é assado!", "Acolá faça isto!". Existe forma mais horrível de matar um escritor? Torna-se um zumbi-escrevente.

Surgiu o modo de produção: a cópia da cópia da cópia da (quem começou o ciclo?). Causar empatia? Diga que a personagem lutará pela família. Identificação com o/a protagonista? Descreva apenas os detalhes e - não esqueça - coloque algo bizarro (um relógio do Mickey, quem sabe). Como estruturar? A Jornada do Herói, lógico (óbvio?). Pare a mania de descrever cenários! Há orientação robótica nas fábricas do mundo e há escritores adestrados.

É objeto passivo o escritor alegre por seguir fórmulas pretensamente universais (se doeu, ótimo: há esperança). Na filosofia chama-se "coisificação" ou alienação do sujeito. A essência do Homo Sapiens - segundo esta concepção materialista - é sua capacidade criativa. Quem nega o pensamento, a criatividade e a individualidade - para seguir leis estéticas do mercado - é qualquer coisa que não um humano (quase-humano, talvez).

A arte existe por necessitarmos dela. Ao matarmos a arte, morremos. O escritor tem - iniciamos a trama - uma linda missão, a de ser o investigador. Procure uma forma nova de dizer, uma estética nova, um novo conteúdo, um ponto de vista inédito. Investigue! Reafirme a tua humanidade em um mundo coisificante, bruto.

Somos, os três, o mutualismo totalizante. A vida inexiste sem a arte que inexiste sem nós que inexistimos sem a arte que inexiste sem a vida. Estamos interligados em nível subatômico!

Sabe-se lá se, até aqui, o leitor-escritor está convencido. Insisto um pouco mais ou quantas vezes preciso for. Imaginemos que vamos nos dedicar a outra arte.

Estudaremos:

Escultor: 1. história das esculturas; 2. as diferentes técnicas; 3. acharemos o próprio rumo.
Pintor: 1. idem; 2. idem; 3. idem.
Ator: 1. idem; 2. idem 3. idem.
Músico: 1. idem; 2. idem; 3. idem.
(Etc.: idem; idem; idem.)

Por que - ó, Lúcifer, Anjo da Luz! - seria diferente com a arte de escrever?

"Não há faculdade para escritor, oras!", o antagonista imaginário responderá. A resposta é (na minha opinião?):

1. Leia, mas leia de verdade.
Os grandes clássicos, os de prêmio Nobel, as teorias, as filosofias.

2. Pratique, mas pratique de verdade.
Procure caminhos, descaminhos, "aquele capítulo pode ter outro formato?".

3. Estude.
Quem sabe alcance, enfim, pelo menos, o posto de escritor medíocre. Ler e escrever são invenções humanas; esqueçamos, portanto, a falácia dos "talentos naturais".

4. Encontre-se.
Quem ganhou espaço na história da arte? Quem abriu um caminho novo na mata (metáfora antiga e eterna!). O inconsciente, o subconsciente e o ID farão o papel deles. Faça a tua.

As regras sequer merecem ser quebradas: já são frágeis. Possuem utilidade para o primeiro passo e inúteis para o andar. Mas, perguntemos, este texto, em si, é um conselho-regra? Invertamos. Tijolo - qualquer coisa ou coisificado - precisa de parâmetros?

Liberdade de criação é tudo. Ser livre é sê-lo (quero dizer: nem precisa escrever algo complicado para afirmar-se enquanto autônomo). "Ah, mas sou livre para ser escravo!", resiste o inimigo. Sobre a afirmação, duas dicas chaves-de-ouro:

1. Literatura é a arte de reescrever;
2. Vá se foder.


:: João Paulo da Síria, quase-escritor. Não eleito - infelizmente - antes da hora. Defende a independência da arte contra prisões ideológicas e mercadológicas.

Foto: 
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quinta-feira, 9 de julho de 2015

O Significado Oculto em "Dom Quixote" dos Engenheiros do Hawaii


  
Esta é uma das letras mais apaixonantes da banda gaúcha. O "Muito prazer, meu nome é otário", um verso fora do comum, ficou famoso desde o Acústico MTV.

Propomos ler os versos em duas camadas. São duas visões que se complementam. Uma é a da história de Miguel Cervantes, o "Dom Quixote", um decadente e quase-louco cavaleiro medieval. Enfrentou Moinhos de Vento, achando que eram Dragões, com seu amigo Sancho Pança. O viajante sonhador desejava ser como os heróis de seus livros. A obra espanhola fala da relação entre o ideal e o real. A segunda interpretação - a segunda camada - depende da vivência do Humberto, o compositor.

Esta música é do CD "Dançando No Campo Minado". No livro "Pra Ser Sincero - 123 Variações do Mesmo Tema", ele explica que a Guerra de Bush, o atentado às Torres Gêmeas e a explosão de uma bomba perto de seu Hotel no Rio de Janeiro foram o gatilho para as músicas e para o título.

Podemos somar a utopia do Dom Quixote com a utopia - ou a falta dela - nos nossos dias. Vamos para a letra:

"Muito prazer, meu nome é otário
Vindo de outros tempos, mas sempre no horário"

Os trabalhadores são considerados os portadores do futuro nas utopias modernas (socialismo, anarquismo, igualitarismo, etc.). Vistos como injustiçados pelas ações dos ricos, e sempre disciplinados pelo trabalho (sempre no horário).

"Peixe fora d'água, borboletas no aquário
Muito prazer, meu nome é otário
Na ponta dos cascos e fora do páreo
Puro sangue, puxando carroça"

É um complemento dos primeiros. Têm o mesmo sentido. A comparação com um animal e com o transporte de Dom Quixote é o sinal de sofrimento.

"Peixe fora d'água, borboletas no aquário" e "fora do páreo" fala sobre estar fora das decisões da humanidade, do governo e da vida econômica ou social. A sensação de sufocamento do peixe e a prisão da borboleta, as localizações invertidas: sentimento do/no mundo. 

"Um prazer cada vez mais raro
Aerodinâmica num tanque de guerra
Vaidades que a terra um dia há de comer

"Ás" de Espadas fora do baralho
Grandes negócios, pequeno empresário
Muito prazer, me chamam de otário"

Aqui, os primeiros três versos reforçam o que impulsionou o CD. Sabemos que o ricos não vão para o campo de batalha, mas empurram toda a humanidade a uma catástrofe. A indústria do armamento, por exemplo, precisa que as bombas sejam usadas para produzir... bombas.

Os outros três falam que o povo está por fora do jogo, das decisões, por não ter dinheiro. Ao mesmo tempo vendem que qualquer um pode ser rico - uma ilusão ou "grandes negócios...".

"Por amor às causas perdidas
Tudo bem, até pode ser
Que os dragões sejam moinhos de vento
Tudo bem, seja o que for
Seja por amor às causas perdidas"

Aqui voltamos às utopias igualitaristas e a suas propostas de resolver o absurdo que é o mundo. Há um certo pessimismo já que estas utopias sofreram abalos na década de 1990 (por amor às causas perdidas). Mas também mostra a necessidade de sonhar, apesar de tudo. Entre a esperança e o medo, os temíveis dragões podem ser, na verdade, quem sabe, apenas moinhos de vento.

"Por amor às causas perdidas
Tudo bem, até pode ser
Que os dragões sejam moinhos de vento
Muito prazer, ao seu dispor
Se for por amor às causas perdidas
Por amor às causas perdidas"

Reforça o anterior. O mais curioso é que estas utopias começaram a ressurgir na época do lançamento da canção. 

Há uma relação interessante. Dom Quixote comunica-se com Segunda Feira Blues I e II, música ao seu lado, do mesmo CD. Na letra diz: "Onde estão os caras que diziam que a guerra ia acabar, onde estão os caras que diziam que a maré ia virar" e "Onde estão os caras que lutavam dia-a-dia sem perder a ternura jamais?" em uma referência direta ao texto de Chê Guevara "É preciso endurecer, mas sem jamais perder a ternura".

Dom Quixote tem o sentimento das utopias, dos sonhos, das revoluções. São as horas em que percebemos que o mundo, tal como está, nos passa a sensação de otários e precisamos mudá-lo. Talvez sonhar seja um bom começo.



João Paulo da Síria

terça-feira, 2 de junho de 2015

ENGENHEIROS DO HAWAII: RUPTURA COM O ROCK "CAFÉ E LEITE"



Dia desses tive contato com a matéria do The New York Times, 1991, fazendo o contrário da crítica tupiniquim: elogiou - e muito - a presença dos Engenheiros do Hawaii no Rock In Rio II. Todo fã pensa, de cara, rápido, os porquês diabos de algumas críticas nacionais. A lentidão perceptiva dos avaliadores brasileiros vem, entre tantas coisas, no argumento daqui, de um passado na música nacional: Rock café e leite ou, simplesmente: iê-iê...

No princípio era a Jovem Guarda. Um rock romântico, fofo, letras óbvias, rimas simples, erotismo quase inocente, musicalidade típica, iê-iê e tal. Era a fase inicial daquela novidade. Produziu material fraco, mas também - ainda bem! - toda uma geração genial, de Os Mutantes à Raul Seixas.

Mas veio, aí, a década  de 1980, a terrível. Se o mundo não era mais o mesmo, por que o Rock deveria ser? O mínimo que ocorre a um som subversivo é evoluir-se, do simples ao complexo. Vieram as letras (muito) fodas do Legião Urbana, a poesia de Cazuza. MUDARAM o Rock brasileiro. 

Mas, ainda, fizeram uma forte ruptura parcial, incompleta. A total, completa - tam-tam! - está resumida e subjetivada em um ser humano: Humberto Gessinger. Engenheiros do Hawaii consolidou o que os "poetas do rock" iniciaram, a ruptura com o Rock iê-iê, café e leite.

Chega de solos de guitarra "mais ou menos"! Augusto Links, no dedilhar e nos acordes,  mostra a racionalidade criativa! Chega de bateria mediana! A explosão emotiva de Carlos Maltz move a platéia! Chega de letras comestíveis, pré-cozidas! Humberto Gessinger leva, às composições, a sofisticação da MPB da década de 1970. Canta. Move. E ajuda a pensar. Falar de amor não é mais só escrever "eu te amo e linda". É dizer "tudo queimava e nada aquecia! E ela apareceu e parecia tão sozinha e parecia que era minha aquela solidão!".

Vai ter metáfora sim! Vai ter aliteração sim! Vai ter trocadilho sim! Vai ter citação literária sim! Vai ter jogo de sentidos sim, oras! 

Rompendo o eixo Rio-São Paulo, das terras frias vieram três rapazes que só queriam fazer do jeito deles e foda-se.

A moda é bateria ativa? Faremos Terra de Gigantes só com o violão! A moda são as letras curtas? Infinita Highway! A moda é encher de sons e músicos? Trio já! Se é pra fazer bem feito, que seja do jeito do artista e pronto.

A crítica especializada e pedante não entendia. Meu Deus, como assim o público vai à loucura? Como assim um guri de 15 anos parece entender e sentir este som mais do que eu e meu prestígio e meu diploma?

Mais nunca, desde aquele dia, continuamos a mera sombra deformada da sonoridade internacional. Os "de Fé" descobriram o sabor novo, viciante.

Temos o Rappa, a Pitty, os Detonautas para consolidar a revolução. E assim se fez o novo testamento, ruptura-continuidade do Rock brasileiro, a nova aliança e o Papa é Pop. Que a nova geração seja autônoma e continue a criar e recriar!

O gaúcho respondeu, aos iluminados da "crítica crítica", por um meio épico, genial, original e aqui:



Adiós,
J. P. da Síria

quinta-feira, 30 de abril de 2015

8 DICAS DA "CIÊNCIA DA LÓGICA" PARA ESCRITORES

Foto: https://www.blogger.com/blogin.gblogspotURL=http://saladobatuta.blogspot.com.br/2013_10_01_archive.html


Como já disse antes, pretendo evitar o perfil guru, orientador. O espaço é para dividir (ou seria unir?) o que ando aprendendo. Metade sem querer e metade por curiosidade o artigo pode sair. Estudando o método na literatura e a dialética materialista surgiu a "fusão" dos conhecimentos.

Algo brevíssimo, direto, antes de ir direto ao assunto. Eis: O materialismo dialético procura descobrir como funciona os mecanismos da realidade, sua dinâmica, sua lógica, seu desenvolvimento; estabelece uma série de leis e categorias básicas para facilitar o trabalho científico. Uma introdução pode ser positiva.

Agora sim, como prometido, as oito dicas (não colocarei em ordem decrescente, oras, mania!):

1. Em toda totalidade o conflito é a lei e ele promove o movimento

1.1. Ou seja, pense em um bom conflito para tua história. Um apaixonado, um inevitável, tão forte que você se verá obrigado a caminhar o enredo por estradas que desconhecia; 

1.2. Os opostos estão sempre, de alguma forma, interligados: o antagonista e o protagonista, a culpa do passado e o "ser correto" no presente, a vontade egoísta e a necessidade coletiva;

1.3. Por isso, é importante EVITAR personagens perfeitos, só com qualidades, incríveis em demasia. Soa falso, irreal;

1.4. Lembremos de colocar conflitos secundários. Do protagonista com o aliado ou consigo próprio; idem para o antagonista.

2. A matéria, a realidade, determina os hábitos, a personalidade e o pensamento

2.1. Ou seja, os seus personagens devem ter uma razão lógica para serem o que são;

E mais:

2.2. Se algo importante ocorre, você espera que o teu herói continue sendo o mesmo do início do livro? Deverá mudar algo, uma atitude, uma pedaço de si, um pensamento, uma postura, etc.

3. Forma e Conteúdo

3.1. O conteúdo, a história, ganha forma, é claro, ao escrevê-la. Mas: já percebeu que tem aquele conto ou aquele capítulo que emperra, fica duro, não sai? Está perfeitinho na tua mente, e "sujo" enquanto matéria bruta. Pois bem. Pense uma outra forma de dizer a ideia. Um outro personagem conta, ou uma novidade na hora de estruturar, ou um jeito novo - só teu - de dizer.

O texto, vez em quando, nos exige ser parido com um jeito diferente.

3.2. Vejamos um lindo, genial, caso de sedução sexual/copulação em Memórias Póstumas de Brás Cubas, de - é óbvio - Machado de Assis:


Capítulo LV - O Velho Diálogo de Adão e Eva
Brás Cubas . . . . . ?
Virgília . . . . . .
Brás Cubas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
Virgília . . . . . . !
Brás Cubas . . . . . . .
Virgília . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . ? . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
Brás Cubas . . . . . . . . . . . . . . . . . .
Virgília . . . . . . .
Brás Cubas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . ! . . . . . . . . ! . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . !
Virgília . . . . . . . . . . . . . . . . . ?
Brás Cubas . . . . . . . !
Virgília . . . . . . . !



O modo de dizer com o não-dito. Imaginamos o resto (olha a safadeza...).

[Curiosidade: O Nome Brás é uma abreviação de Brasil, Cubas referencia um meio para carregar ouro. Memórias Póstumas do Brasil Rico. Forma de crítica sutil...]

4. Quantidade e Qualidade | do Simples ao Complexo

4.1. Escreveu o livro? Certamente é um livro ruim. Calma. O que faz o escritor não é o ato de escrever. O escritor é, principalmente, um revisador disciplinado. Revisa, revisa, revisa. Apara, corta, coloca, tampa os buracos, melhora. 10, 20 vezes. 

Tudo começa ruim, mal-feito, defeituoso. A insistência é o que promove um salto, algo realmente bom, uma qualidade nova a partir do acúmulo de mudanças. Perceberá quando ocorrer.

5. Necessário e Desnecessário

Não é preciso explicar. Mas podemos acrescentar algo: na trama, algo inútil pode ser desenvolvido para que se torne essencial. Ou aquilo que o leitor despreza e no final - nossa! - faz a diferença.

6. Aparência e Essência

Os termos explicam que a aparência, quase sempre, mente. Quer dizer, quando vamos investigar algo a fundo percebemos que era o contrário do que imaginávamos. Quantas vezes já passamos por isso? Quantas vezes fomos enganados e manipulados? Chegou a hora de manipularmos as sensações do leitor, ele agradecerá. Podemos também contar a história sem uma noção clara de realidade, por um ponto de vista particular (da criança, do inimigo, de Deus, da xícara-de-chá).

7. Concreto e Abstrato

Se o escritor gosta de esquemas, jornada do herói: beleza. Está pegando abstrações, modelos. A tarefa, portando, neste caso, é colocar a carne, a vida própria e a criatividade (sempre). Produzir até o modelo-esquema ficar invisível, diluído, na base. Assim, o futuro leitor não achará em ti a mera imitação de outras obras. Também - e é algo belo - pode-se criar muito mais livremente ou subverter, ou descartar, ou alterar este e aquele elemento.

8. As combinações geram o novo

Chama-se, tecnicamente, "lei do desenvolvimento desigual e combinado". Resumindo (por falta de espaço/tempo): algo novo, da criatividade, surge da cominação de informações diferentes. Por isso, é importante ler, ter grandes experiências, praticar e, de novo, ler, ler tudo (de qualidade). 

Daí virá a criatividade. Tua mente combinará informações permitindo o surgir de novas. O processo de combinação pode ser também - e inclusive - consciente.

É isso. Bom dia do trabalhador e bom dia das mães.

João Paulo da Síria

quinta-feira, 16 de abril de 2015

MÉTRICA PARA LETRAS DE MÚSICA: PRIMEIROS PASSOS



Nesse blog publicarei cada novo conhecimento que eu adquirir. Não fará o perfil guru ou orientador. Ao contrário. Por isso, vamos falar hoje sobre métrica em letras de música. A muito tempo procuro aprender a usar e errei (erro) muito. Finalmente (!) desenvolvi um conhecimento seguro sobre.

Vamos começar pela coisa e depois explico a coisa.

Antes, um breve resumo sobre como ler as sílabas poéticas:

1) Não se contam as sílabas poéticas que estejam após a última sílaba tônica do verso.

2) Ditongos têm valor de uma só sílaba poética.

3) Duas ou mais vogais, átonas ou até mesmo tônicas, podem fundir-se entre uma palavra e outra, formando uma só sílaba poética.

[wikipedia]

Confuso? Se não entendeu sobre isso ainda: calma. Temos tempo.

Dica: a poesia e as poesias enquanto letra de música são organizadas focando a palavra falada, não a escrita. 

Exemplo: Minha alma. Quando vamos falar ou ler, a realidade nos faz dizer desta forma aqui: Minh'alma ou minhalma. Há uma fusão, uma crase. 


Fiz a "escanção" da linda música La Belle de Jour, de Alceu Valença.

Por que ela é tão bela e fluida? Uma das respostas a seguir, a primeira estrofe:




"Eu lembro da moça bonita
Da praia de Boa Viagem
E a moça no meio da tarde
De um domingo azul"

Leia sem cantá-la. Da escanção descobrimos a métrica e o ritmo da letra:


Eu | LEMbro | da | MOça | bo | NI ta | da | PRAia | de |  BOa | Vi | Agem


Vejamos a relação entre os sons fortes (TUM) e sons fracos (tim).

tim TUM tim tim TUM tim tim TUM tim tim TUM tim tim TUM tim TUM

_
Continuando:


E a | MO | ça | no | ME | io | da | TAR | de de um | do | MIN | go a | ZUL


Igual:

tim TUM tim tim TUM tim tim TUM tim tim TUM tim tim TUM Tim TUM

Detalhe: nesse caso o de-de, pela relação sonora e a rapidez, é considerado uma fusão. São versos diferentes cantados na mesma carreira pelo cantor.

A composição toda manipula as sílabas poética átonas e tônicas:

fraco  FORTE  fraco  fraco  FORTE  fraco  fraco  FORTE  fraco  FORTE

E segue sempre mais ou menos nesse formato.

O que para um ouvinte é talento, para o letrista e poeta é talento e técnica.

A musicalização da letra aproveita isso e permite harmonização e efeito.

A poesia e as letras de música usam esta técnica basicamente no mesmíssimo formato. Assim a relação sílabas fortes e fracas geram diferentes ritmos, efeitos e sensações.   

Os versos da música começam com uma sílaba átona e uma tônica - jambo ou: fraco FORTE. Continuam com uns Anapestos - duas sílabas átonas e uma tônica ou: fraco fraco FORTE.  E terminam com outro jambofraco FORTE.

O nome original é "pés", pois os poetas guiavam as palavras com a batida dos pés enquanto tocavam suas violas medievais.

Vamos ver um ótimo caso de anapesto.

A música Geleia Geral, do tropicalista e poeta marginal Torquato Neto.



"Um poeta desfolha a bandeira
E a manhã tropical se inicia
Resplendente, cadente, fagueira
Num calor girassol com alegria
Na geleia geral brasileira
Que o jornal do Brasil anuncia"

 1      2    3    4    5       6       7        8       9    
Um |po | E | ta | des | FO | lha a | ban | DEI | ra

E a | ma| NHÃ |tro | pi | CAL | se i | ni | CIA

Res | plen | DEN | te, | ca | DEN | te, | fa | GUEI | ra

Num | ca | LOR | gi | ra | SSOL | com a | le| GRIA

Na | ge| | ia | ge | RAL | bra | si | LEI | ra

Que o | jor | NAL | do | Bra | SIL | a | nun | CIA

Três unidades: fraco, fraco, FORTE. Do começo ao fim.

Contando até a última sílaba tônica, estamos diante de versos eneassílabos, nove sílabas poéticas. Como trabalhar os tipos de versos, quem sabe, será tema de outro post. 

Para encerrar, dois exemplos de ritmo belos. Um troquel ou: FORTE fraco. E outro com jambo: fraco FORTE. Os dois casos procuram estimular a subjetividade ao simular a sonoridade de um trem:

"Muita força Pouca Terra
Muita Força Pouca Terra"
- Poeta Da Costa e Silva

"Ca com Pão
Ca com Pão"
- Poeta Manuel bandeira

Qualquer coisa, fica a vontade para comentar. Que tal tentar compor usando a proposta da técnica?
_
João Paulo da Síria

segunda-feira, 13 de abril de 2015

VIVEMOS UM "NOVO ROMANTISMO" NA LITERATURA

Uns dos (poucos) livros geniais dessa escola

O título, é claro, deveria ser uma pergunta. É uma questão aparentemente em aberto. Sem esgotar o tema, vamos apresentar elementos que nos apontam esta tese: um novo romantismo já foi não só inaugurado como está em pleno processo de esgotamento.

O antigo e o novo romantismo têm o mesmo combustível estimulante e total: a satisfação do mercado. O original  era voltado às moças dondocas, desocupadas, ricas e letradas, tinha linguagem fácil, jovem, saía nos jornais, com temas comestíveis. Representaram, no brasil, a fase imatura da literatura nacional.

Hoje o mercado mundial tem a mesma função. Uma verdadeira "escola americana" adestra escritores em todo o planeta. "Assim causa empatia no leitor"; "escreva diálogo de forma assado"; "a estrutura tem que ser do jeito acolá" (jornada do herói?); "olha isso aqui, desse jeito". A lógica é uma só: vender, vender, vender. Mais precisamente: dinheiro, dinheiro e fama. Para esse fim, toda a técnica e linguagem são produzidas em torno de fórmulas universais que facilitam a leitura.

Na poesia também há algo semelhante ao antigo romantismo. O original pregava a "liberdade de inspiração", mas apenas era um discurso ideológico e de propaganda. Na prática, usava-se técnicas.

A atual poesia romântica coloca a ideia em prática. Tem as seguintes características:

1. conteúdo de autoajuda/amor/otimismo;
2. foco em trocadilhos/frases de efeito;
3. Poemas curtos, fáceis de ler, rápidos, no ritmo da internet;
4. pobreza técnica;
5. rimas simples;
6. individualismo integrativo (na linguagem vulgar: fofo);
7. uso da linguagem leve e semi-erudita, semi-pobre.

(Detalhe importante: coloco características observáveis, não é julgamento.)

Na prosa há mais diferenças. Apresentaremos, para comparação, em oposição, de um lado, o antigo e, de outro, o novo:

Nacionalista / Internacionalista 
(Ex: Anjos e Demônios, A menina Que Roubava Livros, O Caçador de Pipas)

Formal / Foca no aspecto psicológico

Dupla amorosa / Pode haver Triângulo Amoroso

Erotismo (semi)passivo / Erotismo complexo, ativo (50 Tons de Cinza)

Literatura sobre temas medievais / Literatura sobre temas medievais fantástica e/ou semi-realista (Guerra dos Tronos, etc.)

Personalidades lineares / Personalidades complexas

Crítica social aberta / Uso de metáforas, ficção científica, fantasia, perspectiva subversiva, otimismo revolucionário

Individualismo / Relação indivíduo-coletividade 
(Divergente, Harry Potter, Jogos Vorazes, etc.)


COMO O CONTEXTO SOCIAL IMPULSIONOU O NOVO ROMANTISMO?

1. Primeiramente, a queda das utopias socialistas (Muro de Berlim) estimulou ideias pós-modernistas, fragmentadoras, sentimentalistas e definhamento da moral nas relações sociais.

Isso, por um lado, permitiu personagens mais complexos, profundos e o tratamento psicológico;

2. A globalização impulsionou o internacionalismo;

3. A menor repressão à liberdade sexual, a fluidez das relações (tempos líquidos) e, mesmo, o individualismo estimularam o novo romantismo e o conceito de amor triplo;

4. As lutas antiguerras (Iraque e Afeganistão), a crise econômica mundial, o novo renascimento das ideologias igualitaristas e as revoluções em todo o mundo trouxeram "o romantismo social";

5. Na poesia há uma degeneração dos conceitos do concretismo e da poesia marginal de Paulo Leminski. Vive uma influência direta do pós-modernismo, da suposta fluidez do que é e não é arte (bastaria, assim, nessa lógica, por exemplo, escrever em formato de verso e já há um poema);

6. Influência da lógica e do ritmo do meio eletrônico e da internet;

7. O mais importante: o mercado de livros, desde os EUA, procurou criar uma verdadeira escola literária comercial e rígida. Tal meta é possível desde que o mundo consolidou uma extrema urbanização e toda uma nova geração (semi)letrada e numerosa.

Como se vê, no atual romantismo existem subdivisões, fases análogas ao antigo romantismo (primeira, segunda e terceira fases).


CONCLUSÃO

A escola literária não pode ser ignorada em nome de uma intelectualidade boicotante. Existe de fato.

Livros como os de J.R.R. Martin, por exemplo, merecem um lugar destacado na história da literatura. Outros, o tempo descartará.

João Paulo da Síria.