Esta é uma das letras mais apaixonantes
da banda gaúcha. O "Muito prazer, meu nome é otário", um verso fora
do comum, ficou famoso desde o Acústico MTV.
Propomos ler os versos em duas camadas.
São duas visões que se complementam. Uma é a da história de Miguel Cervantes, o
"Dom Quixote", um decadente e quase-louco cavaleiro medieval.
Enfrentou Moinhos de Vento, achando que eram Dragões, com seu amigo Sancho
Pança. O viajante sonhador desejava ser como os heróis de seus livros. A obra espanhola fala da relação entre o ideal e o real. A segunda interpretação - a segunda camada - depende da vivência do Humberto, o compositor.
Esta música é do CD "Dançando No
Campo Minado". No livro "Pra Ser Sincero - 123 Variações do Mesmo
Tema", ele explica que a Guerra de Bush, o atentado às Torres Gêmeas e a
explosão de uma bomba perto de seu Hotel no Rio de Janeiro foram o gatilho para
as músicas e para o título.
Podemos somar a utopia do Dom Quixote
com a utopia - ou a falta dela - nos nossos dias. Vamos para a letra:
"Muito prazer, meu nome é otário
Vindo de outros tempos, mas sempre no
horário"
Os trabalhadores são considerados os
portadores do futuro nas utopias modernas (socialismo, anarquismo,
igualitarismo, etc.). Vistos como injustiçados pelas ações dos ricos, e sempre
disciplinados pelo trabalho (sempre no horário).
"Peixe fora d'água, borboletas no
aquário
Muito prazer, meu nome é otário
Na ponta dos cascos e fora do páreo
Puro sangue, puxando carroça"
É um complemento dos primeiros. Têm o
mesmo sentido. A comparação com um animal e com o transporte de Dom Quixote é o
sinal de sofrimento.
"Peixe fora d'água, borboletas no
aquário" e "fora do páreo" fala sobre estar fora das decisões da humanidade, do governo e da vida econômica ou social. A sensação de sufocamento do peixe e a prisão da borboleta, as localizações invertidas: sentimento do/no mundo.
"Um prazer cada vez mais raro
Aerodinâmica num tanque de guerra
Vaidades que a terra um dia há de comer
"Ás" de Espadas fora do
baralho
Grandes negócios, pequeno empresário
Muito prazer, me chamam de otário"
Aqui, os primeiros três versos reforçam
o que impulsionou o CD. Sabemos que o ricos não vão para o campo de batalha,
mas empurram toda a humanidade a uma catástrofe. A indústria do armamento, por
exemplo, precisa que as bombas sejam usadas para produzir... bombas.
Os outros três falam que o povo está
por fora do jogo, das decisões, por não ter dinheiro. Ao mesmo tempo vendem que
qualquer um pode ser rico - uma ilusão ou "grandes negócios...".
"Por amor às causas perdidas
Tudo bem, até pode ser
Que os dragões sejam moinhos de vento
Tudo bem, seja o que for
Seja por amor às causas perdidas"
Aqui voltamos às utopias igualitaristas
e a suas propostas de resolver o absurdo que é o mundo. Há um certo pessimismo já que estas utopias sofreram abalos na década de 1990 (por amor às causas perdidas). Mas também mostra a
necessidade de sonhar, apesar de tudo. Entre a esperança e o medo, os temíveis dragões podem ser, na verdade, quem sabe, apenas moinhos de vento.
"Por amor às causas perdidas
Tudo bem, até pode ser
Que os dragões sejam moinhos de vento
Muito prazer, ao seu dispor
Se for por amor às causas perdidas
Por amor às causas perdidas"
Reforça o anterior. O mais curioso é que estas utopias começaram a ressurgir na época do lançamento da canção.
Há uma relação interessante. Dom
Quixote comunica-se com Segunda Feira Blues I e II, música ao seu lado, do
mesmo CD. Na letra diz: "Onde estão os caras que diziam que a guerra ia
acabar, onde estão os caras que diziam que a maré ia virar" e "Onde
estão os caras que lutavam dia-a-dia sem perder a ternura jamais?" em uma
referência direta ao texto de Chê Guevara "É preciso endurecer, mas sem jamais perder a ternura".
Dom Quixote tem o sentimento das
utopias, dos sonhos, das revoluções. São as horas em que percebemos que o
mundo, tal como está, nos passa a sensação de otários e precisamos mudá-lo. Talvez sonhar seja um bom começo.
João Paulo da Síria
Muito bom João, parabéns.
ResponderExcluirObrigadão, Fábio.
ExcluirCada pessoa interpreta a letra de uma música da maneira que li convém então essa sua explicação nada mais é do que seu jeito de vê a letra da música. Então deixa de tanta conversa de bosta
ExcluirConcordo com boa parte da análise, mas acho que ainda há outras leituras que podem ser inferidas a partir da letra. Por exemplo, no trecho inicial "Puro sangue, puxando carroça", além de demonstrar o sofrimento do trabalhador, creio que ele também queira chamar atenção para a grande capacidade que ele tem (o puro sangue) e que é desperdiçada em atividades "programadas" (puxando carroça). Em adição, a respeito do trecho "[...] aerodinâmica num tanque de guerra" creio que seja, além de uma referência à guerra em si, como o autor mencionou, é também uma crítica às vaidades estimuladas e estipuladas pela sociedade do consumo, reforçada no trecho seguinte "vaidades que a terra um dia há de comer". A menção ao tanque de guerra sim, foi uma forma de contextualização, mas não é o significado principal do trecho, na minha opinião.
ResponderExcluirHá ainda outras percepções que podem ser retiradas da letra, que, com certeza, é uma das melhores do Humberto. Parabéns pela iniciativa, bom texto. =)
Boa observações, Anderson! Com certeza enriquecem a interpretação do texto.
ExcluirAbrigado.
"[...] aerodinâmica num tanque de guerra", essa parte mexe comigo... rs
ExcluirEssa critica cai tão bem!
Análises muito boas, parabéns!
ExcluirJá li o livro do Quixote, mas nunca tinha parado pra pensar no contexto histórico da época. Análise muito pertinente.
ResponderExcluircontosetrocados.blogspot.com
Obrigado, Letícia. Boa jornada no blog.
ExcluirAcho que a letra não diz apenas respeito a capitalismo, consumismo, opressão e oprimidos. Vejo uma certa teimosia em colocar sempre esses temas nas análises de letras de música. Pra mim, diz mais respeito aos fracassos de cada indivíduo e a nossa sensação de fazer o certo na hora errada, ou de perder uma oportunidade, de vacilar e não ter uma segunda chance, de sermos obrigados a sufocar nossos talentos diante da rotina, das contas a pagar, de criar os filhos...
ResponderExcluirTambém acho que é muito mais o que vc disse. Até pode ser uma referência a política e tal, mas quando escutei pela primeira vez, pensei como um homem falando sobre ter muito mais potencial ou merecer muito mais do que a vida lhe proporciona. Por isso o " otário". O cara merece estar muito além de onde está. Foi a percepção que eu tive, mas pode ser que seja muito simplista.
ExcluirTbm acredito que além de ser política, é uma vivência dentro do homem no atual momento histórico.
ExcluirMuito interessante sua análise! A parte que tu dizes que os ricos não vão pra guerra me lembrou o trecho de BYOP do System Of A Down que ele canta "Por que presidentes não vão pra guerra? Por que sempre enviam os pobres?". Gessiger tem uma mania de contar coisas da sua vida amorosa nas músicas... será que ele não tinha sua Dorotéia também?
ResponderExcluirForte abraço. Sucesso!
em tempo: tenho um blog também, me acho escritor, aí acabo escrevendo coisas me inspirando em músicas... se quiseres passar lá
Excluircronicasdelu.blogspot.com
discordo de muita coisa q vc disse sobre a musica. Vc levou muito para o lado ideológico politico. E a musica fala muito mais sobre as perdas e sonhos da vida. As vaidades desnecessárias.
ResponderExcluirdiscordo de muita coisa q vc disse sobre a musica. Vc levou muito para o lado ideológico politico. E a musica fala muito mais sobre as perdas e sonhos da vida. As vaidades desnecessárias.
ResponderExcluirEste comentário foi removido pelo autor.
ResponderExcluirque interpretação, meu amigo. parabens
ResponderExcluirA parte que me chama atenção é quando ele diz que os dragões podem ser moinhos de vento, pra mim significa que para outras pessoas aquilo pode ser uma coisa boba, mas apenas nós podemos dizer o que pra nós são monstros..
ResponderExcluirExcelente artigo
ResponderExcluirPerfeição a cada esclarecimento da letra. Parabéns
ResponderExcluirBoa parte do álbum "Dançando no campo minado" faz referência a situações políticas e organização social. É bem provável que "Dom Quixote" seja, ao menos que parcialmente, dedicada a estes temas.
ResponderExcluirAcho tb qua a música fala mais da capacidade dele de vaidades da sociedade e do não reconhecimento, seria um desperdício. Ele se diz Otário pq sonha em se doar, sempre buscando as coisas certas, mesmo sabendo das dificuldades. Por amor as coisas perdidas. Muito forte!
ResponderExcluirObrigada pelas informações, foram muito útil
ResponderExcluirUma canção inesquecível, profunda e sensacional!
ResponderExcluirQue felicidade na criação!